segunda-feira, 20 de julho de 2009

The Safe

De vez em quando, tudo começa com uma garrafa.

E quando essa garrafa é uma Baden Baden do tipo Ale, aquela cerveja de cor avermelhada de gosto forte, os goles descem rasgando por sua garganta, como se um magma derretido e gelado fosse ocupando seu corpo. Cerveja fortíssima, teor alcoolico idem, rapidamente seu corpo ou não responde seus movimentos ou pelo contrário, sempre responde mais fazendo um pouco mais do que você pediu. Sua mente começa a se despreocupar com movimentos corporais, ela começa a fazer o que mais gosta: Derrubar você.

E você não consegue dormir.

E quando você acha que o efeito acabou, na verdade não acabou, mas você até já se esqueceu que tomou uma garrafa inteira daquilo. Se esquece mesmo, tanto é que vai no quarto e pega dois comprimidos do seu remedinho, que faz tanto tempo que você não toma, e os engole junto com água. E só depois que os pequenos pedaços de conforto atravessam sua garganta é que você se lembre do que ainda está lá no seu organismo.

E parado, com o copo de água na mão, sabe que a mágica vai acontecer.

Eu gostaria de fazer um filme chamado "The Safe". Não inventei nada da história, só o título. Só queria fazer crer que o filme se tratava de um cofre físico (sim, haveria um cofre, não sei se um cofre gigantesco do Banco Central do Ceará que bandidos vão e roubam ou um cofre mais intimista, por trás do quadro daquele casal de idade, e o mistério de saber o que guardam ali), mas na verdade, no fundo no fundo, o "Safe" era a própria segurança, o que o protagonista buscava. A minha por exemplo, é na minha cabeça. O corpo é o templo da alma? Meu corpo é meu inferno particular, e cada vez mais distante dele, minha mente repousa.

Tudo se inicia na ponta dos dedos, aos poucos eles não são você, são algo que está grudado em você. Preste atenção, que cada vez mais, você diminui. Você tenta buscar o mísero e amórfico ponto que não tem tamanho definido, e vai se diminuíndo. Olhe para você, sua mão não é você, apenas faz parte de você. Assim como seu braço, seu peito, seu ombro, suas pernas... tente buscar no fundo da mente, que pequeno e estranho ponto controla tudo isso. Onde está o neurônio rei, que coordena a tudo e a todos? Quanto mais você se desliga, mais você vira esse ponto único, que não funciona através do oxigênio dessa noite fria, não precisa do seu sangue quente, envenenado e escravizado como você não quer. Aquele ponto, aquele mísero ponto que é você de verdade, não está mais se comunicando com o resto do universo.

Só quer ser ele mesmo.

E ali estão guardadas as suas mais recentes lutas. Você se recorda, não aconteceu faz muito tempo. Você deu um jab, o adversário defendeu. Você deu outro, o adversário não consegui defender totalmente. O adversário lhe responde com um direto que passa sua guarda e resvala no seu queixo. Você acusa o golpe, mas não cai, nem ao menos recua um passo. Tudo que se segue é uma troca de socos mezzo aberta, mezzo cautelosa. Sem ninguém querendo vencer, apenas querendo ver sangue.

Mas o adversário faz soar o gongo antes da hora e se retira. Promessas de novos rounds. Mas você, seu ponto mais você e mais interno no universo, decide que não vai continuar lutando, porque enxergou o que os olhos não são capazer de ver: Você acha que está enfrentando alguém, quando na verdade o que você faz é lutar boxe sem luvas contra um espelho quebrado, socando os cacos. E seu ponto decide que essa luta nunca acabará, então é melhor ir embora do espelho. Você já viu aquele filme, sabe como é o roteiro. Já atuou nele.

Sinceramente, você percebe que não precisa ficar para ver o Remake. Já chorou demais no primeiro filme.

E aos poucos, você mental vai retornando ao encontro do você físico. E junto com o corpo, aquela estranha dor no peito retorna, que vai e vem alguns dias. É um ponto do lado esquerdo, parece que é uma dor na artéria aorta. Coisa que faria qualquer um ficar preocupado, menos você. Sabe que logo logo a dor passa. Só está ali porque você está dando bola. Então relaxa e senta no computador para escrever um dos textos mais "para mim mesmo" da vida.

Porque de vez em quando, tudo começa com uma garrafa.